Anunciar e testemunhar o carisma da Paixão de Cristo para curar as vítimas do terrorismo em Cabo Delgado, Moçambique
“A Paixão de Jesus Cristo é o remédio mais eficaz para todos os males do mundo”! (São Paulo da Cruz)
Por: Pe. Latifo Fonseca, cp (Fonseca Kwiriwi)
Neste ano em que celebramos o 48° Capítulo Geral da nossa Congregação com o tema “Aqui estou, envia-me – A Paixão de Cristo: nossa fonte de vida e missão”, somos convidados a abrir o coração, a jogar fora as resistências e abraçar a causa: aceitar e responder o chamado para “ser enviado” para onde é necessário e urgente.
Segundo o texto do Superior Geral, Pe. Joaquim Rego, CP, acreditamos que este tema foi inspirado pelo Espírito, um convite para que nós, os Passionistas, nos renovemos e fortaleçamos, sejamos proféticos e revivamos a visão original do nosso Fundador São Paulo da Cruz que, com coragem e confiança no espírito da sua convicção, enraizada na força da Paixão de Jesus, estaria disposto a ir “àqueles lugares” onde ninguém mais queria ir. Quais são e onde estão “esses lugares” hoje? Posso responder: “Aqui estou, envia-me”?
A partir desse texto bastante provocador, partilho o que, a meu ver, deveria ser um assunto a ser discutido com carinho e coragem: a presença Passionista em Moçambique, uma necessidade e uma urgência.
Em 2001, Moçambique recebeu a semente do Carisma da Paixão de Jesus Cristo, com a chegada do primeiro missionário, Dom Luiz Fernando Lisboa, CP (então sacerdote) e em seguida os demais religiosos: Pe. Fernando Domingos Costa, CP e Pe. Gilberto dos Santos, CP. Ao responder o desafio de enviar missionários ad gentes, a então Província do Calvário abria nova etapa na sua missão de anunciar e testemunhar Cristo Crucificado.
Moçambique está situado na região sudeste da África, ao longo do litoral do Oceano Índico. Segundo os dados recentes, o país tem cerca de 32 milhões de habitantes. A maioria vive na pobreza e nas áreas rurais.
Em 2017, a província de Cabo Delgado foi invadida por um grupo, inicialmente, sem rosto, mas agora reclama pertencer ao Daesh, a organização jihadista Estado Islâmico.
Dom Luiz Fernando Lisboa, CP, na altura como bispo da diocese de Pemba (Cabo Delgado), fez conhecer ao mundo, embora fosse contra a vontade do governo, que o povo estava a morrer da guerra e esquecido na sua miséria.
Hoje, passados cerca de sete anos, a província de Cabo Delgado ainda vive o clima de guerra que provocou a crise humanitária e problemas psicossociais.
Alguns religiosos Passionistas autóctones, desde 2015, trabalham na cidade de Pemba, têm buscado responder positivamente o pedido de socorro de várias pessoas que passam na casa religiosa, principalmente, mulheres (deslocadas) com seus bebês com sinais visíveis de desnutrição e sequelas da guerra. No entanto, a insuficiência de recursos, o apoio deixa a desejar para auxiliar os que buscam por um refúgio e conforto.
A maioria dos deslocados encontra refúgio na cidade de Pemba, na região sul de Cabo Delgado e nas Províncias de Nampula, Niassa e Zambézia. Não obstante, ao bom acolhimento, os deslocados preferem voltar às suas terras. Por isso esperam ansiosamente e exigem que o governo resolva rapidamente o problema da guerra na Província.
A cidade de Pemba chegou a receber cerca de 350 mil deslocados, mas esse número reduziu consideravelmente porque a Cáritas diocesana de Pemba construiu algumas casas nos centros de acolhimento criados pelo governo local nos distritos de Metuge, Mecúfi, Ancuabe, Montepuez e Chiúre, em Cabo Delgado e no Distrito de Meconta, na Província de Nampula. No entanto, quando os terroristas escalaram os Distritos que eram ditos seguros (Chiúre, Ancuabe e Metuge), surgiram outros problemas: desespero e pânico incontrolável.
Apresentando a situação atual que a Província se encontra, o Bispo da diocese de Pemba, Dom António Juliasse, numa recente entrevista disse o seguinte: “Nessas aldeias, todas as capelas cristãs foram destruídas. O ponto mais alto até agora foi o ataque feito a Mazeze, o posto administrativo do Distrito de Chiúre, com a destruição das infraestruturas públicas e sociais do governo, assim como a nossa Missão, que dava muito apoio social ao povo da região” (A Fundação Ajuda Igreja que Sofre).
Dom António Juliasse, em apelo à Comunidade Internacional, fez questão de lembrar o sofrimento que as populações, já em si muito pobres, estão a viver uma vez mais: “Carregam alguma trouxa na cabeça ou na única bicicleta familiar. É tudo o que agora lhes resta. Certamente não tarda que chegue a fome, a sede e as doenças”, diz o prelado. São pessoas assustadas, e fogem, procurando salvar as próprias vidas, para não terem “a mesma sorte dos que foram degolados e baleados” (A Fundação Ajuda Igreja que Sofre).
Além da situação relatada pelo Bispo diocesano, com a intensificação dos ataques, muitos missionários foram a outros campos de missão dentro e fora do país. Os Passionistas que se encontram somente na cidade de Pemba, continuam sendo uma das referências, pois com coragem e fé em Deus sofrem com as vítimas do terrorismo.
Qual é o atual chamado dos Passionistas na terra de Cabo Delgado? Quais são os projetos da Congregação para mitigar a situação que milhares de irmãos vivem na diocese de Pemba (Cabo Delgado, Moçambique)?
Para que o povo não se sinta abandonado, deve haver homens e mulheres com coragem que aceitam sofrer com o povo e escutam seus lamentos. Pode haver questionamento se não estaríamos arriscando a vida de quem decide estar na Diocese de Pemba. Contudo, a resposta deve ser: onde há pessoas, deve ser o espaço favorável para anunciar e testemunhar o Cristo Crucificado.
Enquanto milhares de irmãos continuarem sendo crucificados pela situação do terrorismo e vários males, os Passionistas não devem fechar os olhos e os ouvidos, pois “no rosto do pobre está esculpido o rosto de Jesus” (São Paulo da Cruz). Os empobrecidos e as vítimas do terrorismo em Cabo Delgado precisam dos Passionistas, não somente como seus companheiros de trincheira, mas também como curadores das dores e do sofrimento provocados pela guerra. O povo precisa de um ombro e um ouvido para reclinar a cabeça e para desabafar, respectivamente. O povo precisa de alguém que estenda a mão para dar o pão.
Enquanto a Congregação Passionista (Província Getsêmani) continuar mantendo uma comunidade na cidade de Pemba, atualmente composta somente por dois religiosos, deve haver sensibilidade e solidariedade com eles porque vivem de perto o que o povo sente e sofre diariamente.
A minha reflexão e partilha do atual ponto de situação de Cabo Delgado tem a ver com algumas resistências e medos de que acredito que poderemos superar se cada um se lembrar do tema do nosso capítulo “Aqui estou, enviai-me” – “A Paixão de Cristo: nossa fonte de vida e missão”.
Como missionários Passionistas, apaixonados por Cristo e pela vida, precisamos de nos animar e tomar uma atitude corajosa que contribua com a Congregação que sempre esteve presente e se destacou nos lugares bastante desafiadores que poucos aceitaram estar.
Que este ano do 48° Capítulo, não seja mais um Capítulo, mas uma ocasião de tomada de decisões e se possível de mudança radical para renovarmos o nosso carisma e continuarmos a contribuir na Igreja em espírito de sinodalidade, como pede o Papa Francisco.