A Páscoa e a reforma de vida

Pe. Ademir Guedes Azevedo, cp

O que aconteceu com a comunidade de Jesus, após a sua morte de cruz? Já durante a sua paixão se pode ter uma ideia. Parece ter havido uma dispersão daqueles que o seguiam. Os relatos dizem que muito próximo a Ele, aos pés da cruz, ficaram a mãe e o discípulo amado. O que ocorre é que esses dois parecem ter entendido algo que os demais só entenderão com as aparições do ressuscitado, pois estas transmitem uma nova experiência, marcada fortemente por um tipo de presença de Jesus diferente daquela anterior.

O que a mãe e o discípulo amado entenderam é que a vinda de Jesus causa uma reforma de vida que muda tudo. Para a mãe, tal reforma passa necessariamente pela escuta de uma Palavra que exerce toda a autoridade sobre qualquer que seja a vontade pessoal de viver autônomos e sem qualquer referência ao transcendente. A mãe entende e acolhe a autoridade desta Palavra, tornando-a concreta em seu ventre e depois cuidando dela através de sua maternidade doada ao seu filho. Isso pode ser imaginado durante a vida oculta de Jesus em Nazaré. A mãe, contudo, alarga a reforma de vida, acrescentando a contemplação e meditação daquilo que Jesus faz e diz durante o seu ministério público. Ela já está consciente de seu papel de discípula: acompanhar o filho, ouvindo, meditando e fazendo tudo o que Ele faz. A mãe se torna teofânica: só é livre porque segue o mistério que se revela em Jesus. É isso que se entende por reforma de vida: em determinado momento da existência se descobre uma experiência luminosa de transcendência e se esforça para vivê-la na liberdade.

O discípulo amado também já está ao lado da mãe, na hora da cruz. Ele já está com a reforma de vida em percurso. Enquanto para a mãe o momento decisivo foi quando Deus tocou o seu útero, fecundando-o com o Espírito, para o discípulo amado a reforma de vida começa quando Ele toca o coração de Jesus ao inclinar a cabeça sobre o seu peito na última ceia. É o seu momento teofânico por excelência. Ele sente as batidas de um amor diferente: ágape. O discípulo amado sabe que seu amor é imperfeito e, por isso mesmo, conforma-se e deixa-se guiar por um amor perfeito: aquele de Jesus, antecipado já naquela ceia derradeira. Daquele momento em diante, o discípulo do amor reconhecerá a presença de Jesus, mesmo depois da sua morte, quando vai ao sepulcro correndo, porque tem coração inflamado com a porção de ágape que recebeu do mestre. Mãe e discípulo amado, portanto, representam a vida reformada, ou seja, transformadas por um mistério que passou por eles, fazendo toda a diferença.

É esta reforma de vida que os outros terão que completar com a ressurreição de Jesus. É por isso que algo novo acontece devido as aparições do Nazareno: ele está levando a cabo esta tarefa com a sua nova vida, toda transformada no poder do Espírito, pois ele é o reformador de vidas por excelência. Para isso, ele propõe um método que se baseia em dois verbos fundamentais: rememorar e caminhar.

A rememoração consiste em assoprar as cinzas que sufocam as brasas que fazem arder a sua memória. Consiste em fazer o percurso de tudo o que foi dito e feito pelo mestre. É não perder a esperança na sua promessa, mas acreditar que a sua Palavra se cumpre no silêncio e no mais escuro da noite, quando o cansaço nos obriga a fechar os olhos, quando o medo está falando mais forte, quando tudo parece não ter sentido, quando a crise nos rouba a fé…É justo nestas ocasiões que a rememoração da vida do ressuscitado faz explodir o impossível, o indizível, o mistério com suas surpresas que fazem ver coisas inimagináveis, ou seja, vida nova. É neste sentido, que o ressuscitado em suas aparições não tem nenhum sermão nem parábola para ensinar, ele simplesmente narra o que ele já fez e acrescenta gestos, como aquele de comer e partir pão. A rememoração ganha mais sentido com toques (“coloca o dedo nas feridas das minhas mãos e a tua mão no meu lado. Não sejas descrente. Acredita!), aproximação (Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e ia com eles). É um novo estilo de ser que leva a implantar definitivamente a reforma de vida, pois com tudo o que revela o ressuscitado a vida nunca mais será a mesma, a nova comunidade crê e compreende o desígnio de Deus feito por Jesus.

Seria muito cômodo se a reforma de vida implicasse só esse “crer”. Mas não basta apenas esta nova forma de compreensão. É preciso completá-la com o movimento do coração que faz caminhar. O recordar, portanto, se une ao caminhar. Caminhar a Galileia, onde houve o primeiro chamado. É preciso renová-lo para não cair na tentação de sabotar o projeto do Reino de Deus que fez deixar tudo por uma promessa maior do que qualquer bem humano. A reforma de vida que a Páscoa faz acontecer é justo esta: recordar a ação divina na vida, para despertar o ser a tomar a rota certa, ou seja, aquela primeira rota que iniciamos o nosso caminho de vocacionados, seja para qualquer que tenha sido o teu chamado. O que importante é não se perder na indiferença.

A reforma de vida se imprime com uma palavra, frase ou gesto. Por exemplo, para Maria foi: façam tudo o que eles vos disser; para o discípulo amado foi aquele gesto de reclinar a cabeça no peito de Jesus; para Tomé é o toque nas feridas; para Pedro, foram as suas lágrimas. Todos estes acontecimentos levam a cabo a reforma de vida mediante a humanidade frágil que se confia na nova presença de Deus: aquela que se revela na história de um crucificado que venceu a morte com o ágape!

E para ti, como está acontecendo a tua reforma de vida? Qual é o gesto e a palavra que marcam a tua reforma? Para onde está te lavando a rememoração do teu chamado? Em qual estrada estás colocando os teus pés para caminhar?