A cruz e o pós-moderno

Pe. Ademir Guedes, CP

Aqui não é o momento de esboçar o estatuto epistemológico que caracteriza a assim chamada pós-modernidade, pois esta empresa requer um desenvolvimento histórico que parte da filosofia antiga até o modo de raciocinar de nossa atual cultura ocidental. Ao invés disso propomos, mediante o exercício da vida pastoral, encarar a nossa sociedade dentro de um quadro de sérias fragilidades que atingem diretamente o ser do homem de hoje. Por isso, quando falamos de pós-moderno estamos nos referindo a situações de instabilidade de toda ordem (emocional, política, ética, religiosa), marcadas por um terreno movediço. Neste cenário, o sujeito da condição pós-moderna sente-se inseguro, confuso, não consegue executar um projeto a longo prazo, visto que tudo muda e sofre transformações inesperadas. O homem pós-moderno é constantemente visitado por surpresas e, por isso mesmo, sente a fragilidade de sua vida.

Mas a cruz de Cristo é o único ponto seguro que nos ensina a integrar a fragmentação das situações de crise e de desespero, pois a cruz propõe a via da plenitude. Ela nos ensina a assumirmos o paradoxo da vida. Trevas/luz; confusão/clareza são apenas alguns dos paradoxos presentes no mistério da cruz de Cristo. O problema das nossas sociedades hodiernas talvez seja a falta de resiliência para conviver com os paradoxos do cotidiano. Graças a predominância da razão técnica-científica o ser humano tende a ser muito pragmático, acostumando-se com situações que se obtém de modo exato graças a eficiência do fascinante universo tecnológico (quase ninguém usa a mente para decifrar um mapa, o GPS está sempre em uso; poucos contemplam as estrelas ou uma obra de arte, é melhor filmes de animação em 3D; foi-se o tempo das conversas em torno de uma mesa, agora tudo isso é chato pois é melhor responder as mensagens do celular, mesmo na presença de um tu e etc..). No entanto, a vida é um mistério marcado por paradoxos e contradições que nos provocam e nos enriquecem. Neste sentido, a cruz de Cristo sinaliza para um tipo de sabedoria que exige a fé, não apenas uma razão autônoma que pretende entender a totalidade da realidade. Há, contudo, uma dimensão de mistério que nos pede reverência e discernimento.

Como âncora em um porto seguro assim é a cruz, provocação para as sociedades hodiernas. Trata-se de um desconcertante mistério, pois mais do que oferecer respostas imediatas, sobressaem as perguntas que envolvem diretamente o problema da vida. Assim, a questão mais perturbadora e radical que atravessa os séculos é aquela do sofrimento. Justo aqui está o escândalo da cruz para a atual razão de cunho técnico-científico que pretende solucionar aquilo que escapa a todo método e ciência: a dor humana. Certo, há o incessante esforço para curar as doenças e isto é louvável, pois a vida deve ser preservada e amada, como dom divino. O próprio Jesus passou entre nós curando e restabelecendo a saúde, afinal a redenção é a saúde plena da humanidade. No entanto, a pergunta acerca do sofrimento segue sem uma resposta. São tantas as formas de amenizar a dor e a humilhação que nos submetem às mais diversas formas do sofrimento (físico, psíquico, espiritual) a ponto de a razão defender-se com inteligentes inovações expressas em técnicas de tratamento, terapias intensivas, remédios, etc… graças a tal progresso, a vida ganha um novo colorido. Mas isto não é o suficiente, nem sempre o modo de enfrentar a dor salvaguarda a nossa serenidade. Desespero e medo são outros sintomas que denunciam o quanto ainda somos frágeis.

Necessitamos, pois, de ir além da técnica e desconfiar mais da nossa própria capacidade de guiar-nos sem uma referência ao transcendente. Diante do inexplicável drama do sofrimento o homo faber se debate em agonia e silencia, pois chega ao seu limite. Aqui só o Mistério da Cruz poderá redirecionar a vida. Porque na cruz há um Crucificado que ensina uma nova forma de resiliência, não aquela centrada nas próprias forças (autônoma), mas uma resiliência teônoma por meio da qual se espera por um Deus empático com a nossa dor. Trata-se de uma espera nutrida pela fé que sabe conviver com a ausência de palavras. É uma fé que ilumina e alarga a razão para além de seus cálculos. O pós-moderno ganhará uma nova configuração existencial só se despertar para o mistério que nos consola e nos cuida. Trata-se de um cuidado espontâneo, pois pertence a lógica do dom (fé) e não daquela linguagem que pretende esgotar o mistério de Deus.