A cruz e o ágape

Ademir Guedes Azevedo, cp.

A tese básica apresentada aqui é a seguinte: a modalidade de amor ágape é reservada só a Deus, ou seja, apenas Deus pode amar religiosamente. Todas as outras formas de amor (eros, philia, estorgué) são manifestações humanas do amor. Ágape acaba sendo uma provocação radical a todas as sociedades, pois revela o mais específico de Deus. Foi justo isto que Jesus insistiu em toda a sua vida. Seguindo a análise de Anders Nygren vamos nos limitar a expor quatro principais características que são próprias do ágape.

Para que seja um amor divino (religioso), deve ser espontâneo e imotivado. Todas as outras formas de amor humano são motivadas e baseadas em algum interesse. O jeito do ser humano amar é imperfeito e necessita ser purificado e corrigido. Neste sentido, João afirma que «Deus é amor» (1 Jo 4,8), ou seja, só ele ama realmente. Basta ver em nossas relações a falta de oblatividade. Se cada um se dispõe a fazer uma avaliação de suas relações verá o quanto há formas sutis de interesse por trás da pessoa que oferece seu «amor». Se só Deus ama de modo espontâneo e imotivado, então ganha todo sentido a sua vida sempre oblativa, sobretudo a sua cruz como resultado de seu ministério vivido por nós de modo gratuito. Em nenhum momento do Evangelho Jesus realiza algo forçado ou coagido por algum interesse. Nele, se vê claramente a consciência de gratuidade: «Ninguém tira a minha vida, eu a dou livremente» (Jo 10,18).

Em segundo lugar, o ágape não considera a existência de nenhum valor em seu objeto, por isso é um amor desinteressado. Deus nos ama sem considerar as etiquetas que temos ou que foram postas sobre nós. A lei, ao contrário, delimita as relações a partir de dualismos: puro/impuro; santo/pecador. O ágape ultrapassa o limite da lei, superando todo adjetivo de ordem moral que possa definir uma pessoa. O ágape faz cair os muros que separam as relações. É exatamente isso que acontece na cruz quando um dos malfeitores grita por Jesus. Aquele ladrão crucificado não valia nada e não tinha mais dignidade, no entanto ele pede que Jesus se recorde dele. De certo modo se cumpre aquela outra passagem da escritura: «Pois Ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e injustos» (Mt 5,45). O ágape na cruz oferece uma visão do próximo a partir do olhar do próprio Deus.

No entanto, há uma terceira característica: o ágape é dinâmico e criativo e, à medida que ama, faz com que o amado se sinta valorizado e transformado. Assim, nos revelam as parábolas de Jesus. O Filho pródigo não tinha mais nenhum valor e estava perdido, mas quando se deu conta e sentiu o amor de seu Pai ele renasceu e retomou a sua vida em modo totalmente novo, de tal forma que não poderá voltar a vida de antes ou até mesmo desejá-la. Esta modalidade de amor, portanto, esquece o passado e mira o futuro, à medida que o sujeito se dá conta de que realmente é amado. Foi esta descoberta, por exemplo, que fez Mateus e Zaqueu. Também podemos incluir Santa Josefina Bakhita: nenhum amor humano poderia ser maior do que aquele que ela mesma sentiu na sua conversão. É justo isso que realiza o ato extremo da cruz: nada pode ser igualado, pois lá Deus alcança o seu extremo.

Por fim, o ágape cria comunhão. Esta é a essência do cristianismo: a via de Deus rumo ao homem, ou seja: se só Deus pode amar, então temos que aceitar que somos imperfeitos e jamais poderemos, mediante nossas próprias forças, chegar a Ele. A via do homem a Deus será sempre incompleta e deve aceitar uma nova via: aquela de Deus ao homem, ou seja, a superação da lei e de seus esforços humanos. Ágape é um dom/graça divina. E tudo isto foi-nos revelado, em plenitude, com o evento da Cruz, pois lá é Deus que vem de encontro ao homem e não o contrário.